Segundo Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini (em “Um Santo para Cada Dia”), Teresa de Jesus chamava-o de seu pequeno Sêneca, brincava amavelmente com a sua baixa estatura, apelidando-o de meio homem, mas não hesitava em considerá-lo o pai de sua alma, afirmando também que não era possível discorrer com ele sobre Deus sem vê-lo em êxtase. Vinte e sete anos mais jovem que Teresa (nasceu em 1542 em Fontiveros, Castilha, Espanha), João de Yepes é uma das figuras mais desconcertantes e ao mesmo tempo mais transparentes da mística moderna.
João foi criado pela mãe após a morte do pai, quando ainda era menino. Estudou no Colégio jesuíta, em Medina e já era aprendiz, aos 15 anos, no hospital de Nossa Senhora da Conceição. Em 1563, com 21 anos, ingressou na Ordem dos Carmelitas em Medina do Campo e tomou o nome de João de São Mathias. Após o noviciado, foi enviado para o Mosteiro Carmelita perto da Universidade de Salamanca. Ali estudou de 1564 a 1568 e foi ordenado presbítero em 1567, com 25 anos.
Na época, pensou em procurar uma Ordem mais austera e rígida, por achar a Ordem Carmelita muito branda. Foi então que Tereza de Ávila cruzou seu caminho. Com autorização para promover, na Espanha, a fundação de conventos reformados, ela também tinha carta branca dos superiores gerais para fazer o mesmo com conventos masculinos. Tamanho era seu entusiasmo que atraiu o sacerdote João da Cruz para esse trabalho. Ao invés de sair da Ordem, ele passou a trabalhar em sua reforma, recuperando os princípios e a disciplina.
Em pouco tempo, fundou em Durvelo o primeiro convento dos carmelitas descalços, adotando ao mesmo tempo o nome de João da Cruz. O resto de sua vida foi devotado à promoção, reformas e escritos. Em 1571, ele foi o reitor do convento de Alcalá; de 1572 a 1577, foi o confessor do convento da Encarnação em Ávila e promoveu, em 1579, a separação das Carmelitas para Carmelitas Calçadas Descalças, com regras bem mais duras. De 1579 a 1582, ele foi o Reitor do Colégio que ele fundou em Baeza e depois foi reitor em Granada e prior em Segóvia.
Reformar uma Ordem, porém, é muito mais difícil que fundá-la, e João enfrentou dificuldades e sofrimentos incríveis, para muitos, insuportáveis. Chegou a ser preso por nove meses num convento que se opunha à reforma. Os escritos sobre sua vida dão conta de que abraçou a cruz dos sofrimentos e contrariedades com prazer, o que é só compreensível aos santos. Aliás, esse foi o aspecto da personalidade de João da Cruz que mais se evidenciou no fim de sua vida.
Conta-se que ele pedia, insistentemente, três coisas a Deus. Primeiro, dar-lhe forças para trabalhar e sofrer muito. Segundo, não deixá-lo sair desse mundo como superior de uma Ordem ou comunidade. Terceiro, e mais surpreendente, que o deixasse morrer desprezado e humilhado pelos seres humanos. Para ele, fazia parte de sua religiosidade mística enfrentar os sofrimentos da Paixão de Jesus, pois lhe proporcionava êxtases e visões. Seu misticismo era a inspiração para seus escritos, que foram muitos e o colocam ao lado de santa Tereza de Ávila, outra grande mística do seu tempo. Assim, foi atendido nos três pedidos.
Pouco antes de sua morte, João da Cruz teve graves dissabores por causa das incompreensões e calúnias. Foi exonerado de todos os cargos da comunidade, passando os últimos meses na solidão e no abandono. Faleceu após uma penosa doença, em 14 de dezembro de 1591, com apenas quarenta e nove anos de idade, no Convento de Ubeda, Espanha.
Deixou como legado sua volumosa obra escrita, de importante valor humanístico e teológico. E sua relevante e incansável participação como reformador da Ordem Carmelita Descalça. Foi canonizado em 1726 e teve sua festa marcada para o dia de sua morte. São João da Cruz foi proclamado Doutor da Igreja em 1926, pelo papa Pio XI. Mais tarde, em 1952, foi declarado o padroeiro dos poetas espanhóis. Foi na prisão que compôs os poemas, como “Noite escura da alma”, “Subida do Monte Carmelo”, “Cântico espiritual” e “Chama de amor viva”.
A Igreja também celebra hoje a memória dos santos: Agnelo, Esperidião e Nimatullah Al Hardini.